Estória: “Gasolina no fogo”
há 977 semanas
Foi através dum professor da sua universidade que Marcelo Cruz
conseguiu um estágio de seis meses na COP - Construções & Obras
Públicas. Fizeram-lhe duas entrevistas e enviaram-no para uma obra em
Tomar, onde foi simpaticamente recebido pelo seu “tutor”, um Engenheiro
Civil “á antiga” que ficou para sempre como o seu mestre.
Cedo se apercebeu que o que lhe tinham ensinado na Universidade de
pouco lhe servia para as tarefas que tinha de desempenhar em obra. Mas,
como gostava de aprender e sempre sentiu o apoio da equipa, a sua
integração e aprendizagem deu –se de forma rápida e progressiva.
As questões técnicas nunca tiveram uma complexidade que pudessem
tornar-se em verdadeiros problemas, até porque tinha uma boa preparação
académica. Os problemas mais complicados de resolver eram, sem dúvida,
os que se relacionavam com a gestão das equipas. Nesse campo, embora se
julgasse com algum “jeito”, sentia uma enorme falta de preparação, que
originava alguma insegurança nas situações mais difíceis. “Felizmente,
tinha conseguido sempre alcançar os seus objectivos sem problemas de
maior”.
Ao fim de nove anos na COP, era considerado um dos melhores Directores
de Obra e um potencial Director de Produção se a Empresa continuasse a
crescer nos próximos anos como tinha vindo a crescer nos anteriores.
Gostava de trabalhar na COP. Tinha ali encontrado excelentes técnicos a
todos os níveis. Pouco a pouco, tinha constituído uma equipa que
confiava nele e que já lhe tinha dado provas de ser capaz de
ultrapassar mesmo os desafios mais difíceis. Orgulhava-se do rigor da
empresa em matéria de higiene e segurança e ambiente. Só o aborrecia a
burocracia e a centralização das decisões na Sede da Empresa no Porto.
“E se ao menos decidissem bem ou rápidamente. Mas nem uma coisa, nem
outra!”.
Maio já ia a meio quando Marcelo iniciou uma nova obra perto de
Albufeira, no Algarve. Tratava-se da maior obra de sempre da COP, com
um grau de complexidade considerável e, para não estranhar, com um
prazo de realização muito apertado. Precisava da melhor equipa e, mesmo
com tudo a correr sobre rodas, não iria ser fácil cumprir aquele prazo.
Cerca de duas semanas depois da obra ter arrancado, o Encarregado
Geral, Sr. Américo Fortes reuniu com ele e informou-o, com ar
preocupado, que alguns membros da equipa lhe tinham dito que o valor
das Ajudas de Custo que a Empresa estava a pagar não cobriam, por
grande diferença, as despesas que tinham, principalmente no período de
Verão. Ele mesmo tinha chegado ás mesmas conclusões e deu vários
exemplos da diferença de preços entre Viseu, local onde quase todos
tinham trabalhado nos últimos dois anos, e Albufeira. Uma frase
corrente nas conversas da equipa era que “estavam a pagar para trabalhar”.
Marcelo ouviu com atenção, fez várias perguntas e no fim da conversa,
convencido da justeza da situação, disse ao Sr. Américo que iria tratar
do assunto com a Sede. A conversa deixara-o preocupado. Conhecia bem o
estilo de liderança do Sr. Américo e sabia da influência que ele tinha
sobre a equipa. Para ter vindo falar com ele era porque o problema era
grave e não o tinha conseguido controlar.
Informou por telefone o seu chefe que o passou para a Dra Liliana, uma
advogada com vários anos de ligação á empresa e que era a responsável
pelos Recursos Humanos. A Dra Liliana pareceu não querer entender o
problema, nem a gravidade das suas consequências. Apesar do seu
esforço, respondeu repetidamente que “a empresa estava a cumprir
rigorosamente a lei e o CCT” e que “nos termos da lei as Ajudas de
Custo são iguais para todo o território nacional e durante todo o ano”.
Cerca de uma semana mais tarde, depois de ter sido abordado por dois
encarregados sobre o mesmo tema, enviou uma mensagem por correio
electrónico para a Dra Liliana, na qual explicava o que se estava a
passar, demonstrava com exemplos concretos a justeza da contestação dos
empregados e defendia que, no período entre Abril e Outubro se
praticasse um valor de Ajudas de Custo mais elevados. “Se o bom senso
não imperar, não sei o que fazer”.
Ao fim de três intermináveis semanas, veio a resposta. A Dra Liliana
mostrava a estranheza pela situação, porque o valor das Ajudas de Custo
era o mesmo que tinha sido praticado no início do ano em Viseu, sem
qualquer reclamação e reafirmava os argumentos de “rigoroso cumprimento
da lei e do CCT”.
Marcelo sentiu-se impotente. Convocou o grupo de encarregados, que
tinham sido avisados das suas diligências para resolver o assunto, e
informou-os sobre a resposta que tinha recebido da Sede. A preocupação
transpareceu na cara de todos. Explicaram que, apesar do que se estava
a passar, as equipas estavam trabalhar bem, porque tinham confiança que
o assunto ia ser resolvido. Mas, todos tinham noção que quando a
decisão da empresa lhes fosse comunicada, muitos iriam regressar ás
suas terras onde facilmente encontrariam colocação em situação mais
vantajosa.
Os problemas começaram na quinta-feira. Três condutores de máquinas
“teimaram” que no sábado seguinte não trabalhariam (o que era essencial
para cumprir os prazos) porque queriam ir a casa. Colocado o problema à
Direcção de Recursos Humanos, a resposta foi rápida e inapelável. “Nos
termos da lei, querer ir a casa não é uma razão que justifique a recusa
de fazer horas extraordinárias, pelo que, em caso de insistência, os
empregados ficarão sujeitos a um processo disciplinar”.
E foi o que aconteceu. Os empregados “foram a casa” e a empresa cumpriu
a lei. Foram instaurados os processos disciplinares que, como seria de
esperar, nem chegaram ao fim porque os três empregados encontraram
outras colocações antes.
Os outros empregados, que já estavam insatisfeitos com a decisão da
empresa sobre as Ajudas de Custo, ficaram muito revoltados com o que se
estava a passar com os três colegas e começaram a recusar-se com
frequência a trabalhar aos Sábados. A maioria deles, em especial os
mais qualificados, foram, pouco a pouco, abandonando a COP.
O prazo de conclusão da obra foi resvalando progressivamente, e,
consequentemente, acumulando prejuízos que, no fim da obra, puseram em
causa a viabilidade financeira da empresa. Poucos meses depois destes
acontecimentos, Marcelo, desiludido com a COP, pediu que encontrassem
um substituto porque queria abandonar a empresa, o que veio a acontecer
poucas semanas depois.
Liliana foi chamada ao Presidente da COP que a convidou a sair, tendo
respondido com ar genuinamente incrédulo: “Despedida, eu? Porquê?
Limitei-me a cumprir a lei!