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“Liderança obsoleta”

há +193 semanas

Não compreendo estes jovens, desabafou Julieta. Trocam de emprego como eu troco de camisa! Parece que não há nada os satisfaça e os prenda a uma Empresa, continuou dirigindo-se à Diretora de Recursos Humanos e entregando-lhe a carta de demissão da Filipa.

A Filipa? Questionou, Mara, a Diretora de Recursos Humanos, mas não me disseste que ela estava a fazer um excelente trabalho e muito empenhada por fazer parte da equipa internacional do projeto de “data mining”?

Disse-te e confirmo, disse Julieta. Ela dava sinais de estar muito motivada por fazer parte dessa equipa, acrescentando, até estava a dar nas vistas a nível internacional. Vários membros do “team” me disseram que ela era excelente.

Sabes a razão da sua saída? perguntou Mara. Que me lembre já são quatro do programa de trainees que saem antes do fim do estágio.

Disseram-me que ela vai para a Makseney, respondeu Julieta. Provavelmente sai para ir ganhar mais. Tenho pena, mas a verdade é que, embora ela seja tecnicamente muito forte, eu nunca a senti muito ligada à nossa empresa. Às vezes atrasava-se, raramente saía depois da hora e dava sinais de não gostar quando eu lhe chamava à atenção. Esta malta nova não se dedica a nada.

Quem não vai gostar da notícia é o VP de Market Research e o nosso Diretor Geral ainda menos, arguiu Mara. Vai-nos atirar à cara que já é quarta que se vai embora antes do fim do estágio.

Filipa sempre foi uma boa aluna. Quando terminou o liceu optou por um curso de engenharia que a obrigava a estudar afincadamente 12 horas por dia e 7 dias por semana. Concluiu o curso entre as melhores classificadas e seria facilmente aceite nas maiores empresas do setor do seu curso em qualquer parte do mundo. Por razões do coração optou por ficar em Portugal e entrou numa consultora internacional na qual participou em projetos de “business inteligence”, área que gostou e na qual decidiu especializar-se, inscrevendo-se no mestrado duma prestigiada “business school”.

Foi um dos seus professores do mestrado que lhe sugeriu que ela entrasse no programa de trainees da Bacredit. Tinha várias propostas de empresas de TIs e de Consultoras, mas optou pela Bacredit por se ter apercebido da existência duma base de dados de crédito ao consumo enorme e praticamente virgem, o que lhe permitiria aplicar as diferentes ferramentas analíticas que aprendera no curso.

Ficou na equipa da Dra Julieta, Diretora de Market Inteligence, que rapidamente concluiu ser a pessoa certa para a ajudar a fazer a ponte entre os conceitos teóricos aprendidos no mestrado e a sua aplicação prática. A Dra Julieta estava há perto de vinte anos na empresa, na qual tinha construído um departamento de “business inteligence” que era uma referência em Portugal e também na Bacredit a nível internacional.  

Percebeu logo nos primeiros contactos que a Dra Julieta juntava em extraordinário domínio técnico a um profundo conhecimento do negócio e a um grande pragmatismo, o que lhe permitia encontrar soluções de grande valor para a empresa. Extremamente dedicada, trabalhava desde muito cedo até muito tarde. Estava sempre disponível para a ajudar tecnicamente e para a orientar nos seus trabalhos. Ficou-lhe grata muito entusiasmada quando a Dra Julieta a indicou para integrar a equipa internacional que estava a desenvolver o data mining, porque era considerado um projeto considerado estratégico e de grande visibilidade.

Os problemas começaram ao fim de poucas semanas na Bacredit. Chegou uns minutos depois da hora de entrada e a Dra Julieta chamou-lhe à atenção para necessidade de ser rigorosa no cumprimento de horários e sobre a importância que isso teria no seu futuro. A partir daí a Dra Julieta parecia controlar a forma como ela cumpria o seu horário e mostrava o seu desagrado se ela se atrasava poucos minutos à chegada ou no regresso do almoço. Tinha pensado em propor-lhe ficar alguns dias a trabalhar a partir de casa porque se conseguia concentrar melhor, mas nem se atreveu.

Mas o mais desagradável era o facto da Dra Julieta querer que ela ficasse para além do seu horário. Começou a marcar-lhe reuniões à hora de saída e ela teve de lhe dizer algumas vezes que tinha compromissos e não podia ficar. Gostava de se encontrar com o Miguel, o seu namorado, depois do trabalho e de passarem algum tempo juntos. Não lhe custava nada, pelo contrário, trabalhar em casa depois do jantar, mas para prolongar o horário no escritório, nem pensar.

A gota de água que fez transbordar o copo foi quando se atrasou três minutos e a Dra Julieta lhe voltou a falar da importância de ter rigor na hora de entrada. Ficou tão surpreendida que nem lhe disse tinha trabalhado noite dentro para poder apresentar resultados numa reunião do team de data mining em que iria participar dentro de uma hora. Nesse dia decidiu que iria aceitar ir às entrevistas das várias empresas que a contactavam repetida e insistentemente.

 

José Bancaleiro
Managing Partner Stanton Chase Portugal

 

Artigo publicado na edição 126 da revista Human.

“The best is yet to come”

há +196 semanas

A crise provocada pelo COVID-19 vai passar! Por muito dramático que esteja a ser o seu impacto social e económico, dentro de algum tempo o mundo, os negócios e as organizações retomarão a sua evolução “normal”, mesmo que seja um “novo normal”.

 

Sobre o fortíssimo impacto que desta crise está a ter e terá na vida de todos nós ninguém duvida! Há, aliás, quem pense que ela provocará uma mudança radical na forma de gerir as empresas e no relacionamento humano. Eu defendo que a crise do COVID19 terá, essencialmente, um efeito fortemente acelerador de tendências que já eram bem evidentes. O Zoom, por exemplo, já estava em grande crescimento há 3 anos. O que esta crise fez foi apenas acelerar exponencialmente esse crescimento.

 

Tal como nos outros setores, na Indústria Farmacêutica (IF) as transformações serão muitas e algumas dramáticas. Muitas delas já se iniciaram há muito tempo e só não as vê quem não as quer ver. Para não maçar a paciência dos leitores, vou-me concentrar apenas em três evoluções na forma de desempenho das funções. A comunicação digital nas funções comerciais, a robotização das tarefas transacionais e a liderança de equipas remotas.

 

Por muito que nos (eu incluo-me nesse grupo) custe, o contacto com os nossos clientes (neste caso os médicos e outros profissionais de saúde) será cada mais digital e menos físico. Eu sei que isto pode significar a desvalorização de competências que desenvolvemos durante anos e a necessidade de ganhar novas competências, nas quais existem pessoas (habitualmente menos grisalhas que nós) que estão bem mais avançadas. A forma de exercer a medicina será cada vez mais tecnológica e não será, pois, de estranhar que os médicos estejam cada vez mais propensos a usar plataformas tecnológicas que facilitam a comunicação. O COVID-19 acelerou muito esta transformação (em 3 meses o Zoom ou o Teams passaram de desconhecidos a uma utilização diária) e dificilmente voltaremos ao que foi.

 

Alertamos que esta evolução não será apenas a substituição da visita física por digital. As tecnologias também permitirão que o médico tenha acesso fácil a informação segura e completa, pelo que, para além do domínio no uso eficaz da tecnologia, o tipo de “visita” terá que se adaptar e se focar na forma de criar valor para aquele médico concreto.

 

A grande vantagem é que a fonte do problema (as tecnologias) também poderão facilitar a solução. Basta aceitar a nova realidade, mudar o “mindset” e investir tempo e emoção nas novas competências. Conheço muita gente que já o fez no passado e que tem tudo para o voltar a fazer. Recusar a mudança pode ser muito mais letal que o COVID-19.

 

Um outro fenómeno já em marcha e que o COVID tem vindo a acelerar é a robotização de muitas tarefas, especialmente, as mais transacionais. A Inteligência Artificial (AI) tem vindo a criar sistemas automáticos cada vez mais flexíveis e inteligentes que farão com que muitas tarefas administrativas e físicas passem a ser feitas por máquinas. Está a acontecer diariamente no processamento de informação nas áreas Financeira, RH, Marketing, Logística, etc. Hoje são comuns sistemas que, sem qualquer intervenção humana, permitem a um computador recolher informação em várias fontes, trabalhá-la e dar-lhe o seguimento correto. Tudo isto com mais rapidez, maior fiabilidade e muito mais barato. Quando assim é . . .

 

Uma terceira transformação que consideramos muito importante é a do papel do líder de equipas remotas. Este tipo de equipas vieram para ficar, não só porque as equipas remotas tendem a ser mais produtivas, mas, principalmente, porque se sabe que as novas gerações preferem trabalhar remotamente. Trabalho remoto já existe na IF há uns largos anos e teremos cada vez mais este tipo de equipas a que, nalguns casos, acrescem as diferenças culturais motivadas por serem constituídas por pessoas de várias regiões do globo.

 

Equipas diferentes exigem lideranças diferentes. O líder deste tipo de equipas tem de se adaptar e ganhar competências para o fazer com eficácia. O trabalhar por objetivos mais do que por horas de atividade, o domínio das tecnologias, a sensibilidade às diferenças culturais e comunicacionais, a gestão disciplinada e o “mindset” de servidor, são, entre outras, áreas que no novo líder terá de reforçar.

 

 Como canta Tony Bennett, “the best is yet to come”!

 

José Bancaleiro

Managing Partner

Stanton Chase Portugal – Your Leadership Partner

 

Artigo pubicado na edição #108 da revista Marketing Farmacêutico.

 

Estória "From know how to know who"

há +299 semanas

Grande besta! – pensou Artur, quando acabou de falar, ou antes, de discutir com Heitor, o dono da HM Auto. O seu carro novo tinha tido alguns pequenos problemas e antes que se tornassem maiores decidiu ir às oficinas centrais da HM para os resolver. Quando expunha na receção o que se estava a passar, alguém que estava num escritório interior surgiu e interrompeu a sua explicação. Percebeu pelo rececionista, Nuno, que era Heitor Miragaia, o dono da HM Auto.

 

A conversa, até aí calma e profissional, mudou radicalmente. O Senhor Heitor começou por desvalorizar cada uns dos problemas que referia e ia dando a entender que eram “picuinhices”, até que Artur mostrou o seu desagrado pela forma como estava a ser tratado. A partir daí a discussão foi aquecendo e subindo de tom, levando a que vários clientes e colaboradores se apercebessem do que se estava a passar. A discussão terminou quando, abruptamente, Heitor sentenciou - Já não tenho paciência para estas porcarias! Nuno trata tu do assunto” - e abandonou a zona da receção.

 

O Nuno tentou, profissionalmente, colocar “água na fervura” e continuar o seu trabalho de registar as anomalias detetadas por Artur. No fim, pediu desculpa pelo que se tinha passado e confessou – “ O Sr Heitor até é um bom patrão, mas até tremo se o vejo aproximar quando estou a registar alguma reclamação. Já perdemos muitos clientes assim”.

 

Artur tinha passado os primeiros anos da sua carreira na área comercial, exercendo inicialmente a função de “Sales Rep” e mais tarde a função de Chefe Regional de Vendas. Nos últimos anos tinha-se dedicado à formação, prestando uma particular atenção à área da qualidade de serviço. Talvez por isso, aquela discussão “mexeu muito com ele e mereceu uma análise mais profunda”

 

Há muito que tinha percebido que um produto ou um serviço vai muito para além do objeto em que a nossa compra se materializa (um automóvel, por exemplo) ou do contrato que se estabelece. É algo bastante mais amplo e complexo. O que adquirimos inclui um conjunto de aspetos contratualmente fixados (explícitos) e outros (implícitos), como a qualidade do bem adquirido, a qualidade na entrega e na sua utilização e também a qualidade no atendimento pós-venda.

 

A qualidade dum bem ou de um serviço é sempre medida pelo cliente, sendo a sua perceção medida por comparação com soluções alternativas, especialmente em termos de preço pago e benefícios alcançados. Num mundo em que a qualidade dos produtos atingiu níveis de quase perfeição, a diferenciação entre concorrentes passou a fazer-se essencialmente pela inovação e pela qualidade do serviço, particularmente do serviço pós-venda.  

 

O serviço pós-venda é, pois, um dos “momentos de verdade” mais importantes na relação entre uma empresa e os seus clientes e que mais contam para a lealdade destes. Para isso contribuem aspetos como a acessibilidade (física e digital), o ambiente físico, os materiais utilizados e, especialmente, a rapidez e cortesia no atendimento. 

.

Passados alguns meses, Artur teve de se deslocar à HM Auto para fazer uma revisão e pequenas melhorias no seu veículo. Recordando-se do que se tinha passado, temia voltar a “pegar-se” com o Sr. Heitor, mas aconteceu exatamente o contrário. Foi recebido por um “Costumer Relations” profissional, conhecedor, muito atencioso e que o fez sentir como se ele fosse o cliente mais importante da HM.

 

Quando vinha a sair encontrou o Nuno na receção e, depois de o cumprimentar, referiu-lhe a diferença no atendimento. Nuno explicou-lhe que depois da discussão com ele, o Sr Heitor percebeu que algo tinha de mudar e decidiu recrutar alguém que fosse muito diferente dele para fazer o atendimento aos clientes, acrescentando - “Agora tem mais tempo para fazer aquilo que gosta e faz bem: definir a estratégia, organizar e acompanhar os negócios. Até já tem tempo para falar mais com os colaboradores” Terminou dizendo:

 

“Para um bom gestor, mais importante que ter o “know how” é ter o “know who”!

 

Sintra, 5 de Junho de 2018

 

José Bancaleiro

Managing Partner

Stanton Chase International – Your Leadership Partner

"Anti Liderança"

há +403 semanas

Vem mesmo a calhar! – pensou Lucas depois de finalizar o telefonema com o “head hunter” que lhe tinha ligado de Lisboa. A posição que ele lhe tinha falado poderia até significar um pequeno retrocesso, mas era a possibilidade de regressar rapidamente a Lisboa. A sua carreira tinha sido marcada pelo sucesso, mas...Para ler mais

“O chefe termóstato”

há +455 semanas

Provavelmente, o termo termostato não é completamente evidente para si. Eu ajudo. O termostato é um dispositivo de regulação automática da temperatura de um determinado sistema. Existe, por exemplo nos automóveis. Quando a temperatura do motor ultrapassa um determinado nível, o circuito fecha e liga a ventoinha que arrefece o motor.

Muitos chefes (mais de 80% segundo alguns estudos) funcionam como um termóstato. Enquanto as coisas vão correndo bem, o circuito mantém-se desligado e não existe qualquer reação da parte deles. Quando algo de menos bom se passa, o circuito liga, eles acordam e tratam de “zurzir”. Tal como o termóstato, só “ligam” para corrigir, repreender, censurar e punir. Nunca para reconhecer, recompensar e, muito menos, celebrar.

Este tipo de gestores pensam, genuinamente, que o seu principal papel é corrigir o que está mal e não reforçar e incentivar o que está bem. Focam-se em procurar erros e raramente têm um gesto de reconhecimento por um bom trabalho (“para quê? só fizeram a sua obrigação!”), até porque acham que isso são “mariquices”. Para eles o importante é ter procedimentos claros e sistemas de controlo que permitam detetar e corrigir os comportamentos desalinhados. “Trata-se de manter de disciplina. É para isso que me pagam!”

O estilo de gestão “termóstato” tende a originar colaboradores de tipo “subordinado”. O subordinado só faz o que lhe mandam. Espera que lhe digam o que tem que fazer, como tem de o fazer e quando tem de o fazer. Nunca toma uma iniciativa, nunca arrisca uma nova forma fazer algo e nunca procura soluções inovadoras. O subordinado é profundamente ineficaz e exige uma liderança com maior grau de controlo, o que cria um círculo vicioso. Chefes de tipo “termóstato” originam colaboradores de tipo “subordinado” que, por sua vez, justificam um estilo de chefia termóstato.  

O chefe termóstato até pode gerar equipas cumpridoras, isto é, zelosas na obediência a normas, diligentes no cumprimento de ordens e rigorosas em termos técnicos. Mas não consegue construir equipas eficazes. As suas equipas não arriscam, não tomam iniciativas, falham na criatividade e na inovação e não trabalham com paixão. Podem até conseguir resultados razoáveis, mas nunca conseguirão resultados extraordinários. Podem até fazer o que lhes é pedido, mas nunca dão o seu máximo. E em mercados altamente competitivos, esta pode ser a diferença ter ou não ter sucesso.

Este tipo de gestores ainda não percebeu (talvez porque os seus chefes têm a mesma atitude) dois aspectos fundamentais da sua função. Primeiro, que chefiar é essencialmente atingir resultados através de pessoas, isto é, quem verdadeiramente atinge os objectivos que lhe são fixados a um chefe é a sua equipa e não ele. Segundo que as pessoas não são máquinas. O reconhecimento é uma necessidade humana fundamental. Para uma pessoa, receber feedback e ser atempadamente reconhecido por um trabalho excepcional é muito importante não só para o seu desenvolvimento, mas também para a sua auto-estima e felicidade.

Quando uma pessoa recebe feedback e o seu trabalho é reconhecido fica claro (para ele e para outros) que tipo de comportamentos a empresa valoriza, aumenta a sua satisfação e motivação, o que leva a um crescimento da sua focalização, produtividade e lealdade e tem consequências positivas para a empresa ao nível da qualidade do serviço prestado, satisfação dos clientes e retorno financeiro.

Todos sabemos que a recompensa financeira nos deixa satisfeitos, mas, nenhum de nós tem também dúvidas que uma sincera e merecida palavra de reconhecimento e gratidão, dada pela pessoa certa no momento certo, tem um impacto muito superior na nossa motivação e no nosso compromisso com a organização. A gratidão é uma forma genuína de reconhecimento, e o reconhecimento é uma forma sincera de gratidão.

O reconhecimento recompensa quem o recebe e enaltece quem o dá!

José Bancaleiro,

Managing Partner

Stanton Chase International – Executive Search Consultants 

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“Não faz parte da minha Função”

há +456 semanas

- Bom dia Dr. Chegou a carrinha de Cabo Ruivo e traz as caixas com o tabaco do mês, disse Anabela, assomando à porta.

- Obrigado Anabela. Pergunte ao Melo se me pode vir ajudar, respondeu o “doutor”, enquanto contornava a sua secretária.

O jovem “doutor” era José. Tinha entrado na empresa há cerca de seis anos para a secção de cargas e descargas quando estava a meio do deu curso de direito. Conheceu por dentro, praticamente todas as áreas da Empresa, até que concluiu a licenciatura e foi nomeado para Direcção de Recursos Humanos (DRH), na qual tinha assumido várias responsabilidades, sendo naquela altura o Responsável pelos Recursos Humanos da Fábrica de Cabo Ruivo e da Sede, situada no centro de Lisboa,

A empresa era resultado do processo de nacionalizações de 1976 e fora constituída a partir de duas empresas privadas que concorriam aguerridamente entre si. Após dez anos de gestão pública, a empresa tinha-se modernizado, e tornara-se numa das mais eficazes e sofisticadas empresas públicas (EP) a operar no mercado Português. Mas, em simultâneo, tinha também adquirido os “defeitos tradicionais” das EPs: Gestão muito condicionada politicamente; número de empregados muito superior às empresas privadas; estruturas envelhecidas e com baixo nível de habilitações; salários baixos (embora com um bom nível de benefícios sociais); absentismo elevado e muita conflitualidade laboral.

Pouco a pouco, a Empresa tinha sedimentado uma cultura que poderia ser definida como tipicamente “Portuguesa”. Apesar da conflitualidade laboral induzida por organizações sindicais poderosas e influentes, o ambiente era calmo, agradável e havia um esforço por resolver todos os problemas de forma consensual. Os trabalhadores eram tratados de forma afetuosa e existia em todos os assuntos um grande respeito pelos sentimentos das pessoas envolvidas.

Normas e procedimentos eram quase inexistentes, havendo uma tradição de relação informal e de resolver os problemas de forma amigável. A única “lei” que todos conheciam e reconheciam era o ACT – Acordo Colectivo de Trabalho negociado alguns anos antes entre o Conselho de Gerência e os Sindicatos.

Existia um ambiente “tradicional e confortável”. Os objectivos, quando existiam, eram perfeitamente atingíveis. Os salários base eram razoáveis, embora estando espartilhados numa grelha existente há muitos anos e que criava condições de promoção quase automáticas. O grande investimento da Empresa ao longo dos anos tinha sido nas regalias sociais, que eram iguais para todos e claramente superiores ao praticado no mercado.

Um destes “benefícios” era a oferta de 20 maços de cigarros por mês a todos os colaboradores que não trabalhavam dentro da fábrica e que, por essa razão, não podiam beneficiar da possibilidade de fumar gratuitamente. Por essa razão, no início de cada mês a carrinha que trazia diariamente o correio interno da fábrica de Cabo Ruivo para Sede, trazia também duas caixas, pesando cada uma cerca de vinte quilos, que continham os pacotes de cigarros para oferta.

Todos os meses a cena se repetia. Rogério estacionava a sua Toyota Hiace castanha em frente à Sede. Saia da carrinha calmamente, abria a porta traseira e, ostensivamente, não tocava em nenhuma das pastas ou caixas que transportava, dizendo, para os colegas que o queriam ouvir:

- Eu sou motorista, não sou ajudante de motorista. Não faz parte da minha função descarregar a carrinha!

Joaquim era um contino simpático e amigo de ajudar. Descia, aproximava-se da Toyota, Dava umas bocas ao Rogério sobre o seu Sporting, depositava na carrinha as pastas com correio para a Fabrica de Cabo Ruivo e recolhia as que continham o correio de para a Sede. Mas negava-se a transportar as duas caixas de cigarros:

- Sou contino, não sou ajudante de motorista. A minha função é distribuir documentos e não caixas. Eu até fui “recolocado” nesta função por razões de saúde.

Era então que chegava o jovem Gestor de Recursos Humanos acompanhado dum dos “escriturários” da sua equipa. Cumprimentavam os colegas, recolhiam as duas caixas e transportavam-nas para a DRH.

José costumava dizer por graça: “Da função de Diretor, tudo faz parte!”

Sintra, 17 de Abril de 2008

José Bancaleiro

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Empreender

há +559 semanas

Acredito que o empreendedorismo e inclusivo (todos somos empreendedores) e não exclusivo (uns são e outros não). Empreendedor é o empresário que cria um grupo de empresas, mas também o cozinheiro que gera uma linha de receitas inovadoras, o gestor que investe numa nova área de negócio ou ainda o autarca que “faz obra” na sua Câmara. Ser empreendedor é “gostar de fazer coisas”.

Os primeiros sinais da minha veia empreendedora surgiram muito cedo. Teria eu cerca de cinco anos quando o meu pai me deu um conjunto de peças, velhas e com mau aspeto, que se pareciam vagamente com os componentes duma bicicleta. Sei que ele as tinha comprado por um valor que hoje ficaria muito longe de metade de um euro a um amigo que as tinha encontrado numa “esterqueira” municipal.

Depois de alguns entusiasmados dias de limpeza, pintura e montagem construí a partir daquelas peças a minha primeira bicicleta. Rodas à minha dimensão, elegante, sóbria, pintada (a pincel) de uma cor de laranja forte, enfim . . . linda. É verdade que de comum com as bicicletas das crianças de hoje tinha apenas o essencial: duas rodas, guiador, pedais e corrente. Faltava-lhe, para além das sofisticações dos modelos atuais (sistema de mudanças, suspensões, etc.), alguns componentes básicos duma bicicleta normal, como os pneus, criativamente substituídos por umas tiras de borracha colocadas dentro dos aros, e os travões, o que me obrigava a travar colocando o pé na roda da frente, originando frequentemente a saída das tiras de borracha, para além de algumas quedas de somenos importância.

Apesar destas (pequenas) limitações, a minha bicicleta foi um enorme sucesso. Sendo a primeira que surgiu entre o meu grupo de amigos, rapidamente se tornou no centro de atração e desejo dos meus colegas e amigos. De tal forma, que eu comecei a pensar que tinha ali um “produto inovador” e um “mercado com um enorme potencial”. Daí até criar o meu primeiro negócio foi um pequeno passo.

Não creio que tenha feito um “business plan” muito detalhado, nem pensado muito no posicionamento estratégico do produto, mas tive alguns cuidados com a política de preços. Se bem me lembro, tudo estava perfeitamente definido em termos do tempo da “volta” e do respetivo preço a cobrar. O pagamento podia ser feito em “tostões” ou em cromos da bola,

havendo uma não muito consistente política de descontos para amigos, que variava em função das zaragatas em que nos íamos metendo. Seja como for, a bicicleta foi (enquanto resistiu) um investimento com um magnífico retorno, financeiro e não só. O meu prestígio e importância no grupo cresceu enormemente.

Sintra, 20 de Março de 2012 José Bancaleiro

*NOTA: Texto escrito para integrar o Capítulo de Patrícia Jardim da Palma, no livro “Comportamento Organizacional no Sec. XXI” – Pag. 235 e seguintes. 

 

"Não tenho tempo"

há +664 semanas

“Não tenho tempo”

Era uma vez um garboso cavaleiro que numa manhã ensolarada passeava o seu cavalo num belo bosque quando deparou com um lenhador que esforçadamente cortava uma árvore com uma serra. Curioso, o passeante aproximou-se do lenhador e reparou que ele estava com muitas dificuldades em executar o seu trabalho, porque a serra estava visivelmente pouco afiada. Tentando ajudar, o cavaleiro disse ao lenhador – “Já reparou que a sua serra está pouco afiada, o que o obriga a trabalhar mais e atrasa a conclusão da sua obra?” – sugerindo, de seguida – “Porque não pára um pouco e a vai afiar?” O lenhador, sem largar o que estava a fazer, respondeu-lhe polidamente – “Sim, eu sei, mas não tenho tempo. Bem vê que estou muito ocupado”.

Ao longo da minha carreira deparei com inúmeras situações de falta de tempo para “afiar a serra”. Situações como a do Empresário que não permite que os seus colaboradores vão a uma acção de formação, mesmo sabendo que depois dessa acção eles irão vender mais ou melhorar a qualidade do serviço que prestam. Ou a do Chefe que, apesar de estar assoberbado de trabalho, não delega tarefas num dos seus colaboradores, alegando que não tem tempo para o preparar e monitorizar. Ou ainda a do candidato que confrontado com a inexistência duma licenciatura ou duma pós-graduação especializada no seu CV, argumenta que não tem tempo porque a sua actual função é muito absorvente.

Confesso que tenho sempre muita dificuldade em aceitar justificações fundamentadas em falta de tempo, porque penso que, na maioria dos casos, a alegação de falta de tempo é apenas uma desculpa para esconder as verdadeiras razões. O Empresário que não envia um membro da sua equipa à formação é, provavelmente, porque não acredita que a formação tenha um impacto forte na melhoria do serviço. O chefe que não delega é, quase sempre, porque inseguro sobre as suas competências e / ou não confia nos seus colaboradores. O candidato que não se actualiza é, presumivelmente, porque tem dificuldade em sair da sua zona de conforto. Em todos estes casos, o tempo serve apenas de desculpa. As convicções e as atitudes que elas determinam são as verdadeiras razões.

O tempo é o mais universal e democrático dos bens. É igualmente distribuído por ricos e pobres, por operários e executivos, por crianças e adultos. Todos começam cada dia com a mesma quantidade de tempo disponível, 86.400 segundos. A diferença está na intensidade e forma como os utilizamos. Há quem pense que tempo é dinheiro, mas também é saúde, família, qualidade de vida, prazer, etc. Cada um elege as prioridades de utilização do seu tempo em função daquilo que valoriza. Se para alguns frequentar um curso de especialização pós-laboral é uma prioridade, para outros é mais importante jantar com a família, beber uma cerveja com os amigos ao fim da tarde ou colocar uns posts no Facebook. Estas ocupações não são inconciliáveis, mas não podem ser simultâneas, o que, para além de escolhas, exige capacidade de organização.

 

É por isso que algumas pessoas arranjam tempo para fazer tudo e ainda lhes sobra disponibilidade para alguma “urgência” que surja, enquanto outros, fazendo muito menos, passam a vida a dizer “não tenho tempo”. O tempo é o mesmo para todos. Ter ou não ter tempo não é uma questão de escassez, é uma questão de atitude. Não é por acaso que surgiu o ditado popular que diz que “se queres algo seja feito, pede-o a uma pessoa que esteja ocupada”

 

 Sintra, 16 de Julho de 2011

José Bancaleiro,

Managing Partner

Stanton Chase International – Executive Search Consultants

In Sol - 22 de Julho de 2011

Reputação e ética

há +665 semanas

Talvez por ter frequentado o curso de magistrado judicial no CEJ, sou particularmente sensível ao badalado escândalo do “copianço” dos futuros magistrados que frequentam aquela escola. O tema possui todos os condimentos para servir de repasto aos habituais “tudólogos” (especialistas em tudo), razão pela qual não vou “bater mais no ceguinho”. Vou sim aproveitar este lamentável caso para destacar sucintamente algumas ideias relacionadas com dois temas organizacionais de grande actualidade e crescente importância, a reputação e a ética. 

Construir uma reputação (conjunto de significados pelo qual uma organização é socialmente conhecida, descrita e recordada, resultando do conjunto de ideias, convicções e sentimentos de uma pessoa em relação a outra pessoa, um grupo de pessoas ou uma organização), é, como todos sabemos, um processo longo e difícil. Destruí-la demora apenas o tempo de um pequeno deslize. O caso do “copianço” no CEJ é um exemplo paradigmático. Anos de trabalho honesto para construir uma escola rigorosa no ensino, moderna nos métodos e exigente na avaliação,podem ser destruídos por uma acção sem ética de um grupo de pessoas e por inépcia de outros. Muitas organizações, só perceberam isto quando já não havia remédio.

Em tempos de competitividade crescente, exposição omnipresente e de comunicação instantânea e incontrolável, a reputação deixou de ser algo que fica passivamente por sedimentação, para passar a ser um dos mais importantes activos da organização e que, como tal, tem de ser gerido de forma proactiva e profissional. A reputação tem um forte impacto no alcançar dos objectivos duma organização, havendo estudos que provam que as empresas com boa reputação superaram as empresas com má reputação em todas as avaliações financeiras. Uma boa reputação reforça tudo o que a organização faz ou comunica. Uma má reputação, pelo contrário, desvaloriza os seus produtos e serviços e contribui para relacionamentos cada vez mais desfavoráveis.

O valor dado à reputação depende da perspectiva de quem a olha. Os marketeers vêem-na como características percebidas pelas pessoas que indiciam benefícios futuros, servindo para atrair e “lealizar” clientes, ao mesmo tempo que servem de barreira aos rivais. Os financeiros valorizam-na como “goodwill”, isto é, como um activo intangível que ajuda a explicar a diferença entre o valor contabilístico e o valor de mercado duma dada organização. Os gestores de Recursos Humanos consideram-na como uma emanação da identidade de uma organização, intrinsecamente ligada à sua cultura.

É aqui que entra a ética. A ética organizacional é uma espécie de consciência colectiva que tem de ser aceite por todos os membros da organização e que tem de estar completamente embutida na sua cultura. Deverá constituir um farol que oriente a equipa de gestão e se transmita à actuação de todos os membro da organização. Só assim, a ética pode tornar-se num factor diferenciador, perene e presente em tudo o que a organização faz.

A ética não pode ser mera retórica para fazer declarações de missão. Propagandear uma imagem de integridade, rigor e responsabilidade social e ter práticas de falta de qualidade, de desrespeito pelos diferentes “stakeholders” e de incumprimento de obrigações legais, fiscais e contratuais, é a receita para um grande desastre. Quando menos se pensa a “verdade” vem à tona (a concorrência dará uma ajudinha) e . . . .lá se vai a (boa) reputação que tinha custado tanto a construir.

Sintra, 25 de Junho de 2011

José Bancaleiro,

Managing Partner

Stanton Chase International – Executive Search Consultants

Conheça as profissões do futuro

há +768 semanas O futuro construir-se-á muito em torno de profissões ligadas à saúde e tecnologias. São áreas onde a oferta e emprego tem espaço para crescer e, por isso, a aposta é mais segura.
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Aristóteles vs Manuel Pinho

há +770 semanas Quando eu, como a grande maioria dos portugueses, assisti, entre estupefacto e divertido, à cena dos 'cornichos' do ministro Manuel Pinho no Parlamento, veio-me à cabeça a inteligência emocional, ou melhor, o controlo inteligente das emoções e uma frase que Aristóteles escreveu há mais de dois mil anos.
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Comunicação Interna

há +823 semanas

Num mundo empresarial marcado pela mudança permanente, pela globalização instantânea e pela competitividade crescente, o capital humano tem vindo a afirmar-se como o activo mais importante para o sucesso (ou insucesso) da larga maioria dos projectos ou organizações.

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De subsídio a benefício

há +927 semanas

José viu da janela do seu gabinete o Sr. Joaquim Almeida atravessar com passo decidido o parque arrumadamente ocupado de carros que mediava entre o refeitório e a zona dos escritórios da "Secção de Pessoal", nome que lhe desagradava mas que ainda era usado pelos empregados mais antigos daquela Unidade Industrial.

Trabalhava na empresa há perto de cinco anos, dos quais três na Direcção de Recursos Humanos. Nunca tinha trabalhado noutra Empresa, mas pelas conversas que tinha com os antigos colegas da Universidade, parecia-lhe que a sua empresa tinha características únicas.

Era uma empresa pública criada a partir de duas empresas privadas concorrentes até às nacionalizações que se seguiram à Revolução de Abril de 1974. Os primeiros anos que se seguiram à fusão destas duas empresas não foram (como não são nunca) fáceis. Ambas tinham uma história de sucesso com mais de meio século e sempre tinham visto a outra como o "inimigo a abater". A imposição, por via mera e unicamente legal, que a partir daí seriam uma só empresa era fácil de dizer, mas muito difícil de aceitar e ainda mais de pôr em prática.

Passados cerca de dez anos de vida em comum, o ambiente tinha normalizado. A nova "EP" conseguira aumentar a eficácia das duas empresas privadas originais, mas começava a ganhar algumas das características das empresas com gestão pública. Apareceram as nomeações pela cor do cartão político, a influência sindical cresceu e tornou-se omnipresente, a estrutura foi engordando e as condições de trabalho e de vida dos seus "trabalhadores" foram-se tornando progressivamente mais confortáveis.

Viviam-se os anos seguintes a uma revolução que pôs fim a quarenta e oito anos de ditadura política e falta de liberdade sindical e, talvez por isso, a Direcção de Recursos Humanos, da qual José era um dos elementos mais activos, seguia uma forte orientação para a manutenção da paz social e para a criação de condições de conforto para os colaboradores da empresa.

José tinha-se evidenciado na criação de novos benefícios sociais e no melhoramento de alguns que vinham do passado das duas empresas. Tinha investido muita energia e tempo na criação duma rede privada de médicos especialistas para assistência aos empregados e reformados. Renegociara o seguro de vida ou invalidez permanente dando-lhe maior segurança e melhores condições. Conseguira que o conselho de gerência autorizasse tacitamente o acesso dos reformados aos refeitórios das duas fábricas a preços meramente simbólicos. Melhorara muito alguns subsídios, entre os quais o de funeral que era pago em caso de morte de empregado ou de reformado. Enfim, costumava dizer que qualquer dia o seu "middle name" seria "benefícios sociais".

Já tinha reparado no Sr. Almeida no refeitório. Habitualmente estava rodeado por vários antigos colegas de ambos os sexos, que pareciam beber as palavras que saiam da sua boca sorridente. Tinha sido um antigo chefe da oficina mecanica e há cerca de dez anos tinha negociado a sua passagem à reforma antecipada. Era um reformado activo, simpático e sempre com uma piada aos "lagartos" a bailar-lhe nos lábios. José sabia que depois da reforma ainda se tinha metido numa ou duas aventuras empresariais através da criação de oficinas de Fresagem, mas "não tinha dado com os sócios certos" e desistira. Nos últimos anos, a sua vida passava por apanhar o "19" para ir almoçar ao refeitório de Cabo Ruivo e depois o "50" para ir até ao Estádio da Luz ver os treinos do seu Benfica na companhia de outros "lampiões".

A conversa começou morna e, como não podia deixar de ser, versou o "penalty" roubado no último jogo com o Sporting. O Sr. Joaquim Almeida perecia ter alguma dificuldade em entrar no tema que o tinha levado a ir falar com o Chefe do Departamento de Recursos Humanos, mas lá entrou no assunto:

- Não sei se o Soutor sabe, mas eu fui um dos melhores fresadores que passou por esta casa. No meu tempo não era como agora, não havia peças de substituição para as máquinas ou então demoravam meses a chegar. A única solução era serem feitas na "mecânica". Muitas das máquinas ainda estão hoje a trabalhar com peças que eu fiz.

- Já sabia. O senhor tem ainda aí alguns dos seus aprendizes, disse José para o incentivar a continuar.

- Depois de eu ter saído daqui investi as minhas economias numa sociedade com outro fresador, mas as coisas não correram bem e fiquei sem dinheiro e sem ocupação. Agora passo o tempo na Luz a ver os treinos do meu Benfica. Mas já estou bocado farto, confidenciou o Almeida.

- Mas, o senhor já vai a caminho dos setenta, lembrou-lhe José. Não acha que já está em idade para descansar e gozar a sua reforma? Não dá para grandes luxos, mas com o que recebe da "Caixa" mais o complemento que recebe daqui da empresa, sempre dá para ir vivendo com algum conforto. Além de que, comendo diariamente aqui no nosso refeitório e não pagando as consultas médicas e os medicamentos, as suas despesas também diminuíram nos últimos tempos.

- É verdade Soutor - continuou o Almeida - a empresa dá-nos uma grande ajuda. Mas sabe, eu não sou um homem de sonhos, sou um homem de projectos. Não descanso enquanto não consigo transformar uma ideia em algo de concreto. E agora que a Empresa deu algum dinheirito ao Matias para ele se ir embora, eu estava a precisar dum empréstimo para poder entrar numa sociedade com ele. Não era muita coisa, talvez o adiantamento da minha reforma durante um ou dois anos?

- O Sr. Almeida sabe que isso não é possível, retorquiu o responsável pelos Recursos Humanos. A empresa tem regras muito restritas sobre adiantamentos e, de acordo com elas, não podemos conceder adiantamentos a reformados e muito menos para investimento em negócios. Para isso existem os bancos. Posso tentar apoiá-lo no pedido de empréstimo a um banco.

- Eu já sabia disso dos adiantamentos - respondeu o Sr. Almeida - mas recorri à empresa porque nunca gostei de meter com Bancos. Fico sempre com a sensação que ficamos a trabalhar para lhes pagar a eles.

- Pois é, mas temos de aprender a viver com eles - concluiu José - preparando-se para mudar de tema.

- Ó Soutor, mas eu tenho cá uma ideia que talvez possa resolver o problema. Como sabe, a empresa paga um subsídio de vinte e nove contos para o funeral de cada reformado. Ora quando eu morrer não preciso desse dinheiro para nada. A empresa bem podia pagar-me esse subsídio agora que é quando ele me está a fazer jeito. Agora é que ele era um verdadeiro benefício. Que acha?