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“Subsídio ou Benefício”

há 447 semanas

José viu da janela do seu gabinete o Sr. Joaquim Almeida atravessar com passo decidido o parque que dava acesso à “Secção de Pessoal”. Trabalhava numa empresa pública criada a partir de duas empresas privadas concorrentes até às nacionalizações que se seguiram à Revolução de Abril de 1974. Foi um “casamento” complicado, mas, passados cerca de dez anos, o ambiente tinha normalizado. A nova “EP” conseguira aumentar a eficácia das duas empresas privadas originais, mas começava a ganhar algumas das características das empresas com gestão pública. Apareceram as nomeações pela cor do cartão do partido, a influência sindical, o engordar da estrutura e a melhoria das condições de trabalho e de vida dos seus “trabalhadores”.

Viviam-se os anos seguintes a uma revolução que pôs fim a 48 anos de falta de liberdade sindical e, talvez por isso, a Direcção de Recursos Humanos tinha uma forte orientação para a manutenção da paz social e para a criação de condições de satisfação e conforto para os colaboradores da empresa.

José tinha investido muito tempo na criação de novos benefícios sociais e no melhoramento de alguns que vinham do passado. Criou de raiz uma rede privada de médicos especialistas para assistência aos empregados e reformados. Renegociou o seguro de vida ou invalidez permanente, dando-lhe maior segurança e melhores condições. Conseguiu que fosse autorizado tacitamente o acesso dos reformados aos refeitórios das duas fábricas a preços meramente simbólicos. Melhorou alguns subsídios, entre os quais o de funeral que era pago em caso de morte de empregado ou de reformado. Enfim, costumava dizer que qualquer dia o seu “middle name” seria “benefícios sociais”.

Conhecia bem o Sr. Almeida. Fora um antigo chefe da manutenção e há cerca de 10 anos tinha negociado a sua passagem à reforma antecipada. Era um reformado activo, simpático e sempre com uma piada aos “lagartos” a bailar-lhe nos lábios. Depois da reforma ainda tinha investido na criação de oficinas de Fresagem, mas “não tinha dado com os sócios certos” e desistira. Nos últimos anos, a sua vida passava por apanhar o “19” para ir almoçar ao refeitório de Cabo Ruivo e depois o “50” para ir até ao Estádio da Luz ver os treinos do seu Benfica.

A conversa começou morna. O Sr. Almeida perecia hesitar, mas lá entrou no assunto:

- Não sei se o Soutor sabe, mas eu fui um dos melhores fresadores que passou por esta casa. No meu tempo não era como agora, não havia peças de substituição para as máquinas ou então demoravam meses a chegar. A única solução era serem feitas na “mecânica”. Muitas das máquinas ainda estão hoje a trabalhar com peças que eu fiz.

- Já sabia. O senhor ainda tem aí alguns dos seus aprendizes, disse José para o incentivar a continuar.

- Depois de eu ter saído daqui, investi as minhas economias numa sociedade com outro fresador, mas as coisas não correram bem e fiquei sem dinheiro e sem ocupação.

- Mas, o senhor já vai a caminho dos setenta, lembrou-lhe José. Não acha que já está em idade para descansar e gozar a sua reforma? Não dá para grandes luxos, mas com o que recebe da “Caixa”, mais o complemento que recebe daqui da empresa, sempre dá para ir vivendo com algum conforto. Além de que, comendo diariamente aqui no nosso refeitório e não pagando as consultas médicas e os medicamentos, as suas despesas também diminuíram nos últimos tempos.

- É verdade Soutor – continuou o Almeida - a empresa dá-nos uma grande ajuda. Mas sabe, eu não sou um homem de sonhos, sou um homem de projectos. E agora que a Empresa deu algum dinheirito ao Lourenço Matias para ele se ir embora, eu estava a precisar dum empréstimo para poder entrar numa sociedade com ele. Não era muita coisa, talvez o adiantamento da minha reforma durante um ou dois anos?

- O Sr. Almeida sabe que isso não é possível, retorquiu o responsável pelos Recursos Humanos. A empresa tem regras muito restritas sobre adiantamentos e não podemos conceder adiantamentos a reformados e muito menos para investimento em negócios. Porque não recorre ao seu banco?

- Nunca gostei de meter com Bancos – respondeu o Sr. Almeida - Fico sempre com a sensação que tudo o que ganhamos é para lhes pagar a eles.

- Pois é, mas temos de aprender a viver com eles - concluiu José - preparando-se para mudar de tema.

- Ó Soutor, mas eu tenho cá uma ideia que talvez possa resolver o problema. Como sabe, a empresa paga um subsídio de funeral em caso de falecimento dos reformados. A empresa bem podia pagar-me esse subsídio agora, que é quando ele me está a fazer jeito. Agora é que esse subsídio seria um verdadeiro benefício. Que acha?

Sintra, 25 de Junho de 2006

José Bancaleiro

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